Blog do André

Abaixo, crônica do Luís Fernando Veríssimo.



"Outro dia fizeram um encontro meu com o Abel Braga, treinador do Internacional, e descobrimos uma coincidência. O primeiro jogo que ele viu no Maracanã, ainda garoto, ao lado do pai, foi o último que eu vi, já nada garoto, perto de me casar. Santos e Milan, novembro de 1963. Até então eu não perdia jogo do Botafogo, da seleção ou do Santos no Maracanã. (...) Sim, o Santos jogava suas partidas decisivas no Maracanã. O Maracanã enchia para ver o Pelé. Mas no jogo que o Abel, eu e uma multidão vimos o Pelé não jogou. O herói da noite foi o Almir. O Pelé da noite foi o Almir.

Volta e meia, vem a discussão. Pelé era mesmo tudo que se diz dele? Meu testemunho (era) não interessa. Ele reinou quando já havia videoteipe. Seus feitos estão bem documentados. Você não precisa recorrer à literatura para contar às crianças como era o seu futebol. Ao contrário das façanhas de gente como Ademir e Zizinho, que ficaram na memória dos velhos e em filmes desbotados, nenhuma das duas coisas muito confiáveis. E o grande mérito de Pelé é que ele resiste ao videoteipe completo. Se tivesse ficado só em filme, só os seus grandes momentos estariam ali. Já o videoteipe completo traz tudo: o passe errado, o tombo sentado, a chuteira desamarrada. E Pelé resiste aos detalhes. Ele era bom até amarrando a chuteira.

(...) No futebol, além da dificuldade em julgar jogadores antigos pelas precárias imagens que ficaram deles e pelo que contam — com o inevitável toque épico do exagero — os que os viram jogar, há outras questões que complicam as comparações. Esquemas diferentes, preparo físico etc. Algumas das grandes reputações do passado sobreviveriam aos cinco no meio e à marcação no campo todo de hoje? Pelé pegou o começo do futebol sem espaço. Não só se impôs como deixou o exemplo de como sobreviver no sufoco. A extrema objetividade (nunca se viu um drible do Pelé apenas pela satisfação do drible, era sempre um espaço conquistado), a antecipação da jogada seguinte antes mesmo de a jogada presente começar, a solidariedade, a simplicidade. Pelé só não dá a receita porque gênio não tem fórmula.

Há dias, voltei ao Maracanã. Não havia jogo, era para tirar umas fotos. Tentei evocar aquela noite de 1963, eu naquela idade. Não deu. O Maracanã vazio e silencioso na minha frente era um abismo de quarenta e cinco anos. Intransponível."
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